LUIZ CARLOS DUARTE
( Pernambuco – Brasil )
(1947-2013?)
Poeta, autor de muitos livros de poesia, entre eles MINOTAURO E OUTROS POEMAS: ÁRVORE URBANA, O INVENTÁRIO DAS HORAS, O ROTEIRO DA FEBRE.
SONETO DO ESQUECIMENTO ABSOLUTO
Esquecer completamente se possível
A chuva branda após o sol nascente.
Sobre a palma das mãos guardar sementes
E a seiva dos sonhos impossíveis
o sentimento cessa de repente,
A os poucos se desfaz, não se alimenta
Do gesto matinal que apascenta,
Da vivenda das aves faz-se ausente.
Resta olhar muito além das horas mortas
E da casa fechar todas as portas
Na espera do silêncio dos relógios:
Que do tempo os ponteiros sejam gládios,
Sangrando o que resta de memória
E nada reste, nada, nem história.
POEMA DIGITAL
O poema é da vida o que me sobra,
Resquício de suor preso à camisa,
Atitude final de quem se dobra,
O poema é da vida o que me fica.
Chega e se vai, perturba e apascenta,
Folha de zinco em chuva percutida,
Jamais se avisa - chega e me habita,
E na ponta dos dedos se elabora.
Na folha de papel se reinventa
Como quem da cara arranca a barba.
Chega de frente, invade o quarto, a sala,
Pelos cantos da casa se instala,
Tecendo em seu redor um claro-escuro
Para logo depois morder de furto.
POEMA AMARELO
Este canário, estes cajás, a tarde
No linho dos lençóis quarando ao vento,
Preenchem a solidão que se anuncia
Em tuas mãos.
Nos infindáveis limites deste alpendre
Navega a minha sombra sem padrão,
Navega a claridade pressentida
No instante breve e mudo do canário
Pousado nas hastes desta tarde
Isenta e clara, amarelamente sã.
SEGREDO
Há um segredo na porta entreaberta,
No jato que passa ao sol de domingo,
Na face pintada do ator em cena
li' lia caneta e na tinta e na pena.
Há um segredo na voz que protesta
Deus por silêncio e um pouco de paz.
Há um segredo guardado e antigo
Na chave perdida que não se acha mais.
Há um segredo no par de sapatos
Jogado em um canto da casa deserta.
Na velha camisa, na escova de dentes,
Há um segredo e não se pressente.
Há um segredo a cada momento
Nos olhos do homem, no dorso dos gatos.
Há um segredo eterno guardado
No tempo preciso do poema acabado.
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Página publicada em maio de 2022
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